05 Janeiro 2023
Meta de proteção de 30% do território global e fundo para a proteção da biodiversidade são os destaques da COP15.
A reportagem é publicada por EcoDebate, 26-12-2022.
Um acordo histórico para proteger a biodiversidade do planeta foi anunciado nesta segunda-feira (19), no encerramento da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP 15), realizada em Montreal, no Canadá.
Depois de intensas negociações que se estenderam por duas semanas, o texto aprovado por quase 200 países estabelece a meta de preservar até 30% das áreas terrestres e regiões costeiras e marinhas globais até 2030, entre outros objetivos estratégicos. Comparado ao Acordo de Paris, que estabeleceu metas para limitar o aquecimento global, o Acordo Kunming-Montreal, em referência a cidades dos dois países anfitriões da COP 15, a China e o Canadá, visa evitar a extinção de até 1 milhão de espécies da fauna e da flora do planeta.
“Foi um bom acordo, com avanços em relação ao pacto anterior, especialmente sobre o compromisso de preservar até 30% do território e das regiões costeiro-marinhas. No entanto, se observarmos que no acordo anterior, vigente entre 2010 e 2020, a maioria das metas não foi alcançada, fica o alerta para que as intenções sejam transformadas em políticas públicas e, principalmente, em ações concretas. Agora, a responsabilidade por boas iniciativas para conter a perda da biodiversidade está com os países”, avalia Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), que participou do evento em Montreal.
Para Rafael Loyola, diretor executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) e membro da RECN, que também esteve na COP 15, diante de todos os interesses em jogo, o acordo traz importantes avanços. “Foi uma negociação muito difícil, com os países mais ricos relutantes em aceitar vários pontos, especialmente em relação ao financiamento aos países em desenvolvimento para proteger e conservar suas áreas naturais estratégicas. Ao final, houve avanços consideráveis e perspectivas positivas para as próximas COPs. Vale lembrar que o acordo vinha sendo costurado desde 2020 e ficou paralisado por dois anos por causa da pandemia”, explica.
Os especialistas esperam que o acordo inspire as políticas públicas brasileiras no novo governo que tomará posse em janeiro. “A expectativa é de que o Brasil consiga reverter o quadro atual de degradação dos biomas, florestas, nascentes, oceano, fauna e flora e coloque a biodiversidade no patamar de importância que ela deve ter”, resume Malu.
Confira os principais destaques entre os 23 objetivos do Acordo Kunming-Montreal para a proteção da biodiversidade do planeta.
Considerado o principal ponto do acordo, estabelece que até 2030 pelo menos 30% da superfície terrestre, incluindo os corpos d’água ou a chamada água continental, e até 30% da área costeiro-marinha estejam conservados e manejados de forma adequada. “A meta é bem ambiciosa, pois aumenta significativamente as áreas protegidas no mundo todo. Atualmente, a proteção alcança apenas 17% do ambiente terrestre e só 10% da área marinha”, explica Loyola, que também é professor da Universidade Federal de Goiás (UFG). A meta 30×30 destaca o reconhecimento de práticas, técnicas de manejo e o respeito às áreas habitadas por populações indígenas e povos tradicionais, reforçando a importância da inclusão social na proteção à biodiversidade.
O acordo ressalta também que as áreas protegidas devem ser representativas do ponto de vista ecológico, bem conectadas e com sistemas de governança equitativos. “Isso mostra que não pode ser qualquer área, pois precisa ter um contexto biológico e ecológico bem definido. E a gestão dessas áreas deve levar em conta todos os setores interessados, não só os governos, mas também as comunidades locais. Essa preocupação deve fortalecer os comitês e conselhos participativos e reconhecer os direitos das populações tradicionais, ainda pouco respeitados em diversos países”, analisa Loyola.
O acordo determina ainda que, até 2030, até 30% dos ecossistemas que estão degradados – tanto terrestres quanto marinhos – devem estar restaurados ou com restauração em andamento. “A importância desta meta é reforçar a ideia de que não é suficiente apenas o esforço para proteger áreas naturais bem conservadas, é necessário recuperar parte do que foi perdido. Estima-se que a partir desta meta será possível restaurar até 1 bilhão de hectares no mundo todo”, salienta o diretor executivo do IIS.
Para Malu Nunes, a restauração também traz oportunidades para o desenvolvimento sustentável. “A manutenção da biodiversidade pode ser uma estratégia para a geração de riquezas para os países. Neste aspecto, há oportunidades para ampliar os investimentos em Soluções Baseadas na Natureza, reconhecendo a importância de ecossistemas saudáveis para a qualidade de vida das pessoas, para os negócios, para os centros urbanos e para a manutenção de todas as espécies que hoje se encontram ameaçadas”, pontua Malu.
O ponto mais crítico do acordo foi a definição de fontes para o financiamento de áreas protegidas nos países em desenvolvimento. O Brasil, um dos países com a maior biodiversidade do planeta, liderou um bloco de cerca de 70 países do chamado “Sul Global” em busca da transferência de recursos por parte dos países mais ricos. O acordo estabelece que, até 2030, devem ser mobilizados cerca de US$ 200 bilhões anuais para a biodiversidade global, envolvendo governos, setor privado e setor financeiro, considerando fontes nacionais e internacionais.
Foi anunciada a criação de um fluxo financeiro de até US$ 25 bilhões por ano até 2025, chegando a US$ 30 bilhões anuais nos cinco anos seguintes, até 2030, que beneficiará países pouco desenvolvidos, economias em transição e estados-ilha. “Mesmo abaixo dos valores desejados, a criação do fundo foi muito aguardada e deve ser comemorada por sinalizar avanços na proteção à biodiversidade nos países mais pobres”, ressalta Loyola.
Segundo Malu, apesar do compromisso dos países do hemisfério norte, será necessário muito esforço diplomático para que os recursos sejam viabilizados. “Os países do Sul devem continuar mobilizados, pois os mecanismos de acesso e as fontes dos recursos ainda precisam ser definidos. Apesar das boas intenções, todos esses detalhes sobre o acesso aos fundos serão definidos apenas nas próximas COPs”, pondera a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.
O acordo também incentiva empresas de grande porte, multinacionais e instituições financeiras a avaliar, monitorar e relatar os riscos, dependências e impactos ambientais da biodiversidade. “Isso é superimportante porque hoje em dia as informações sobre impactos ambientais não aparecem regularmente nos relatórios das empresas. Essas informações são conhecidas de forma pontual quando surge um novo empreendimento em áreas sensíveis, mas não ao longo da operação das empresas. Também não é comum relatar o quanto as empresas dependem da biodiversidade para a manutenção de seus negócios”, analisa Loyola.
O especialista explica que o monitoramento deve acontecer tanto na operação quanto na cadeia de suprimentos e do portfólio das empresas, reforçando a ideia de rastreabilidade. “Não adianta a grande empresa fazer a coisa certa. É preciso garantir que os fornecedores também façam”, frisa Loyola.
Para a diretora da Fundação Grupo Boticário, embora ainda não seja uma obrigação legal das empresas, o estímulo à responsabilidade empresarial em relação à biodiversidade pode trazer mudanças no médio prazo, tendo em vista o fortalecimento da agenda ESG (sigla em inglês para as dimensões ambiental, social e de governança das empresas). “Muitas empresas não identificam claramente a importância da biodiversidade para seus negócios. O acordo deve encorajar o setor privado a mapear melhor sua relação com os ecossistemas naturais, com os serviços ecossistêmicos necessários para manter suas operações, como o uso da água e outros recursos naturais que são matéria-prima para suas atividades, ampliando assim a relação de responsabilidade das empresas com o planeta”, acredita Malu.
Loyola destaca dois aspectos em relação à agricultura no Acordo Kunming-Montreal. A redução em 50% no uso de pesticidas que degradam o solo e geram problemas para a biodiversidade, inclusive com prejuízos para a saúde humana, e a redução em 50% do desperdício de alimentos. “As metas relacionadas à agricultura estão muito sintonizadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e buscam uma agricultura de baixo carbono, alinhada aos compromissos e metas de redução dos gases de efeito estufa, contribuindo para o equilíbrio do clima”, aponta o especialista da RECN.
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Especialistas avaliam o Acordo Kunming-Montreal na COP15 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU